Bem vindo!

Bem vindo!Esta página está sendo criada para retransmitir as muitas informações que ao longo de anos de pesquisas coletei nesta Mesorregião Campo da Vertentes, do centro-sul mineiro, sobretudo na Microrregião de São João del-Rei, minha terra natal, um polo cultural. A cultura popular será o guia deste blog, que não tem finalidades político-partidárias nem lucrativas. Eventualmente temas da história, ecologia e ferrovias serão abordados. Espero que seu conteúdo possa ser útil como documentário das tradições a quantos queiram beber desta fonte e sirva de homenagem e reconhecimento aos nossos mestres do saber, que com grande esforço conservam seus grupos folclóricos, parte significativa de nosso patrimônio imaterial. No rodapé da página inseri link's muito importantes cuja leitura recomendo como essencial: a SALVAGUARDA DO FOLCLORE (da Unesco) e a CARTA DO FOLCLORE BRASILEIRO (da Comissão Nacional de Folclore). Este dois documentos são relevantes orientadores da folclorística. O material de textos, fotos e áudio-visuais que compõe este blog pertencem ao meu acervo, salvo indicação contrária. Ao utilizá-lo para pesquisas, favor respeitar as fontes autorais.


ULISSES PASSARELLI




domingo, 31 de março de 2024

Lembrando Lincoln de Souza

O nome que motivou o título é o patrono da cadeira nº 22, que hoje ocupo no Instituto Histórico e Geográfico de São João del-Rei. Também da Academia de Letras desta cidade é patrono de uma das cadeiras, hoje ocupada por Rosilane Aparecida da Silva.

Não foi objetivo desta defesa de patrono levantar sua biobibliografia completa – trabalho muito vasto que foge à minha diretriz. Tão pouco rastrear os inúmeros jornais para os quais escreveu anos a fio, o que seria uma labuta colossal, embora de inegável importância. Por isso não chamo este texto de pesquisa, mas de homenagem. Apenas ousei pincelar alguns tópicos, traçar um panorama para assim modestamente rememorar o insigne vulto e quiçá, despertar em alguém o desejo de aprofundar este conteúdo e corrigir suas possíveis distorções e certeiras omissões.

LINCOLN TEIXEIRA DE SOUZA nasceu em São João del-Rei, a 20/06/1894 e faleceu no Rio de Janeiro, no estado civil de viúvo, sem deixar filhos, a 11/08/1969. Filho de um fluminense de Macaé, Fernando Manoel Pereira de Souza e da são-joanense Constança Cândida Teixeira. Avós paternos: José Joaquim Domesmil e Narcisa Amélia Pereira de Souza. Avós maternos: Antônio Teixeira do Carmo Pinho (maestro e ex-diretor da Orquestra Lira Sanjoanense, durante a década de 1860) e Luiza Augusta Gaede. Intelectual de alta estirpe foi profundamente dedicado às questões literárias. Muito bem relacionado com outros escritores que eram seus contemporâneos, Lincoln de Souza expôs abundantemente seu pensamento em diversos volumes publicados e textos jornalísticos.

Em São João del-Rei foi um dos colaboradores do Minas-Jornal, que circulou a primeira vez a 1º de maio de 1918.

Dos seus múltiplos talentos, a poesia era o mais decantado. Publicou vários livros com este conteúdo, dentre os quais destaco: “Versos tristes” (1918), “Para os teus olhos” (1927), “Lenita” (1947), “Poemas” (1953 – 1ª ed./1957 – 2ª ed.).

Em “Cantigas do meu crepúsculo: trovas e quadras”, pela editora carioca São José, da década de 1960, o autor aproveita para homenagear pessoas amigas, outrossim à guisa de agradecimento:

 

Nunca tivestes inimigo

Nem rogaste uma só praga.

Dorme em paz no teu jazigo

- sê com Deus, Belmiro Braga!

 

Manifestou também sua contrariedade sobre o engaiolamento de aves canoras para deleitar o egoísmo humano:

Com as aves, sem piedade,

Bem cruéis os homens são:

- se não cantam – liberdade,

porém se cantam – prisão!

 

Observar o conteúdo desta:

 

A Justiça é cega? Claro!

Afirma o juiz, altaneiro.

- Mas se é cega, diz-lhe o faro

quem tem ou não tem dinheiro ...

 

A edição de “Berceuse” de 1938 (Aracaju) é em prosa; a de 46, da editora A Noite (Rio de Janeiro), só em versos. “O ritmo do fogo-fátuo” é mais uma prosa e verso de sua autoria, datada de 1924. Outras obras de destaque:

 

- Águas Passadas (crônicas; 1920);

- Jardins de Ouro e Névoa (pensamentos e pequenos poemas em prosa; 1ª ed. – 1923 / 2ª

ed. – 1947);

- Flores Mortas (fantasia; 1948);

- Vida Literária (crônicas, ensaios, escritos diversos, palestra sobre a infância; 1961);

- O Condor Sergipano (síntese biobibliográfica de Tobias Barreto de Menezes; 1954).

 

Ele mesmo considerava tristonhas suas poesias, como se depreende de alguns de seus versos que assim literalmente expressaram sua própria opinião. O amor era um tema recorrente em sua obra, decantando musas que geravam ilusões. Suas incertezas e cicatrizes desfilaram em muitos versos. A crítica, porém lhe foi muito favorável o que é facílimo de se comprovar.

Outra vocação de Lincoln de Souza (muito especial aliás) era o indigenismo, que motivou-lhe pelo menos quatro desconfortáveis viagens ao nosso hinterland, uma verdadeira aventura como se depreende facilmente examinando as muitas fotografias que deixou. Aventura, ressalto, aos nossos olhos urbanos hodiernos. Mas não parece que o autor assim encarasse essas expedições, pois renderam excelentes reportagens sobre os indígenas do Brasil Central, com farto material de suma relevância antropológica.

“Entre os Xavantes do Roncador” (1952) é um livro que lhe rendeu um prêmio acadêmico. É uma reunião de artigos anteriormente escritos para o jornal carioca “A Noite”, referindo-se aos oito meses que esteve entre os povos originários. Seu contato com os xavantes foi muito marcante pela extrema dificuldade de localizá-los e pela grande naturalidade em que viviam. Encontra-se conteúdo sobre a famosa expedição Roncador-Xingu e relatório de viagens, fotografias e informações fundamentais para a etnologia daqueles povos. Também informou sobre o garimpo e vida sertaneja naquela área.

Impressionou-lhe os hospitaleiros tapirapés e o triste destino das suas crianças “excedentes”: “são de uma hospitalidade encantadora. Em suas malocas me cercaram das maiores atenções, oferecendo-me a todo momento frutas e comida”. Só consentiam três filhos por casal, assim mesmo se dos dois sexos. Se dois fossem meninos e o terceiro filho também nascesse do mesmo sexo, era logo ao nascer estrangulado. Da mesma sorte com as meninas. A prole deveria ser mista. Do quarto filho (inclusive) em diante se já houvessem três na regra da tribo, independente do sexo, era morto. Frisou o heroísmo do povo daquele sertão e disse a seu respeito:

 

Desassistidos de tudo: sem postos de higiene, sem escolas, sem justiça, sem meios de transporte, as populações à margem do Araguaia e do Mortes constituem, na verdade, um conglomerado de párias, dos quais os poderes públicos se lembram apenas para cobrar impostos.

 

No ensaio “Os Xavantes e a Civilização” (Rio de Janeiro, IBGE, 1953) o autor narra com muita argúcia a história dos acuens, um ramo dos xavantes, desde sua similitude étnica com os xerentes, passando pelos detalhes de sua difícil pacificação, que incluiu a chacina de Pimentel Barbosa e seus pares num posto avançado. Mais uma vez revelou sua indignação frente ao abandono dos habitantes do Brasil Central, sem qualquer espécie de assistência do governo. Descreveu-os como uma “população de párias, doentia, semifaminta, analfabeta e embrutecida pelo sofrimento – retrato autêntico, aliás, da massa rural brasileira.”

O álbum “Índios e Expedições” está dividido em três partes. Na primeira encontram-se muitas fotografias documentando a Expedição Meireles, de 06 de setembro a 24 de outubro de 1946. Mostra as localidades envolvidas, com destaque para Aragarças, Barra, Xavantina e cenas do cotidiano, como, por exemplo, a coleta de ovos de tartaruga, a retirada da água de cacimba e o garimpo de diamantes. A segunda parte retrata a capital goiana e os xavantes no Posto Pimentel Barbosa em maio de 1950. Por fim a última é referente à 2ª Exposição da Aeronáutica ao Brasil Central em 1950.

Noutro álbum as fotografias dividem-se em dois grupos: o primeiro deles tematiza o casamento de Aires, um branco da sua expedição com a indígena Diacuí, que não falava uma palavra em português. Casaram-se no Rio de Janeiro e a festiva volta à tribo foi cuidadosamente documentada por Lincoln de Souza. Na segunda parte estão os registros de sua visita aos xavantes, carajás, gorotires e indígenas do posto do Xingu. Os gorotires raspavam a cabeça da criança formando uma larga faixa central. Em uma foto de duas crianças sentadas num toco, na legenda, Lincoln comenta com verve ... “um careca de seis anos!” Existem ainda fotos acerca do desaparecimento do francês Raymond Manpais na região do Rio Tapajós.

“Viagens ao Brasil e pelo Estrangeiro” é um relatório de viagens que o autor encadernou, contendo recortados vários de seus artigos, publicados em diferentes jornais, fotografias de suas viagens e cartões-postais. Esse material revela-se de uma importância ímpar quando se considera a extrema subjetividade do volume, organizado segundo a perspectiva do próprio Lincoln de Souza.

As fotografias e postais tem um valor histórico grande já que retratam realidades sociais de sua época, atividades humanas, detalhes arquitetônicos e construções que já não existem. É fonte importante para estudo. Passando por Paris, Bruges, Dakar, Lisboa, Bordeaux, Buenos Aires, Recife, Florianópolis, Ouro Preto, Aracaju, Lambari, Salvador, Santos e outros lugares, inclusive é claro, São João del-Rei, relata com perspicácia investigativa características históricas e socioeconômicas desses lugares, além de quase sempre frisar a atividade turística, como um homem à frente de seu tempo, pois então, pouco se falava nisto.

Entre os recortes não deixa de comentar, por exemplo, para “O Globo”, grandes questões internacionais, como a crise política egípcia e os problemas do Cairo (04 e 05/08/1960) e ainda acerca do Líbano (10/08/1960) e de Jerusalém (19/08/1960); para o “Shopping News do Rio” de 10/01/1960, na coluna “Flagrantes Americanos”, trata de assuntos turísticos sobre Miami e compara custos de vida com o Brasil. Demonstra assim seu cosmopolitismo.

Sobre nossa cidade ressalvou em diversos textos os atrativos turísticos quando a própria urbe não tinha ainda essa inclinação e logo, muito se deve a ele pela divulgação de nosso patrimônio histórico.

Escreveu também sobre as atividades mineradoras remanescentes. Neste último caso, aliás, num dos escritos, intitulado “Ouro! Ouro!”, de 25/03/1941, conta os “causos” envolvendo famosos mineradores das nossas betas, alguns bem pitorescos como aquele acerca da fortuna acumulada por Antônio Rodrigues de Carvalho, jardineiro da Oeste, que teimando em veios esgotados dava a sorte de achar muito ouro e em tudo quanto é faisqueira que bateava obtinha grande sucesso. Não tardou o povo dizer que ele tinha parte com o capeta, a quem vendera a alma em troco da riqueza. Lincoln abriu parênteses e comentou jocosamente: “mas o diabo ainda quererá comprar almas?...” (o jardineiro...) “deve, pelo menos, ter algum parentesco com a dadivosa ‘Mãe do Ouro’...”.

Daqui e dali ressaltava as belezas da Casa da Pedra e narrou a lenda do índio Irabussu, a exemplo do “Carioca”, de 23/08/1941. A expressão “Cidade dos Sinos”, tão em voga hoje, já era título de um de seus artigos, datado de 08/04/1941. Nele mesmo há a importante informação que a Igreja do Rosário “ainda hoje é o templo preferido pela gente de cor”, quando sabemos que na segunda metade do século XX houve uma migração dos afrodescendentes para outras igrejas e irmandades da cidade, o que parece ter sido um dos fatores que prejudicaram a continuidade das tradições folclóricas que ali se realizavam externamente.

Entremeado a tanta informação e imagens, surge uma quadrícula anônima recortada de algum jornal, informando mais uma de suas capacidades: caricaturista. Segundo a nota, fizera grande sucesso ante um público atento, que se deliciou em risos vendo seus desenhos.

Sua capacidade investigativa vem à tona logo num dos primeiros recortes deste volume. Escreveu um texto chamado “Quatro horas na Veneza Americana”, (Recife), onde narra numa reportagem a entrevista que obteve de um dos mais famosos foras da lei do Brasil àquela época, o célebre cangaceiro Antônio Silvino. Aproveitou que o navio “Mosella”, no qual viaja, atracou no porto recifense por um curto tempo e saiu rumo à cadeia para aproveitar o ensejo. Não pode identificar-se como repórter, pois o prisioneiro tantas vezes interrogado já os rejeitava, pois, segundo ele, suas palavras eram atenciosamente ouvidas por eles e depois alteradas nos jornais no sentido de taxá-lo de reles assassino, quando julgava a si mesmo um justiceiro do sertão. Lincoln prometeu (e cumpriu) não lhe adulterar as respostas. Daqui e dali, desconfiado, o preso ainda chegou a ler as linhas de sua mão e a dizer “o senhor vai me meter o pau”. Mas definitivamente negada a intenção, não houve mais obstáculos. Pelo contrário, aliás.

O texto tem uma importância muito destacada para os estudos do Ciclo do Cangaço, por conter o depoimento verídico, que de tão esclarecedor, transcrevo uns trechos. Eis a impressão que teve dele (inclusive desenhou-lhe a face):

 

Antônio Silvino é um robusto typo de nortista: alto, hombros largos, rosto cheio, corado, cabelos e bigodes já brancos, olhos castanhos, pequenos e vivos. Sorria todo instante. O seu ar suave, de pacato chefe de família, bem humorado e loquaz, não faz suspeitar, nem vagamente, o famoso bandoleiro que durante tantos anos foi o terror do sertão nordestino.

 

A origem do cangaço residia no coronelismo e no voto de cabresto, onde o indivíduo contrário ao líder político era alvo de toda sorte de covardias:

 

_ Moço, o senhor é da cidade. O senhor não sabe o que é sertão. Se existem cangaceiros a culpa é unicamente dos governadores de Estado. São elles que fazem os cangaceiros.

_ Como assim?

_ Negando ao povo justiça. No sertão não há tambem nem tolerancia nem piedade. Agarra-se num homem, num pobre chefe de familia, e fazem delle tudo o que entendem. Chicoteiam-n’o, põe-lhe fogo á casa, judiam com elle mesmo á vista da mulher e dos filhos e mettem depois o coitado num carcere, por tempo indeterminado, _ quando não o fuzilam summariamente. O cangaceiro é a reação do povo contra a prepotencia. A tyrannia dos poderosos.

 

Antônio Silvino relatou ao entrevistador um caso acontecido em Pilar (Paraíba), quando soube de quatro pessoas inocentes presas sob a vigilância de cinco soldados. Foi ao “xadrez” com alguns poucos dos seus pares, fantasiados de militares e deu logo de chegada ordem de prisão aos soldados em nome de “Dr. Simeão”, passando-se por uma certa autoridade, porque não podiam ter prendido aquelas pessoas. Abriu uma cela e os prendeu. Soltou ou inocentes e na saída revelou sua identidade. Não bastando mandou um telegrama ao chefe de polícia com o seguinte conteúdo: “Presos soltos. Soldados presos. Governo novo (na) cidade. Antonio Silvino da Paz, que tudo que promette faz.”

“Álbum de Autógrafos e parte de Correspondências Recebidas” é outro volume de recortes cujo conteúdo o próprio autor datilografou num papel e colou no verso da capa:

 

- pequena parte da correspondência (na sua quase totalidade de cunho literário), por mim recebida;

- dedicatórias de livros que me foram oferecidos pelos seus autores;

- autógrafos vários, por mim solicitados, pessoalmente, a intelectuais, artistas, etc.

- e, finalmente, - autógrafos não a mim destinados, colhidos em fontes diversas: livros adquiridos em “sebos”, cessão por parte de terceiros, etc.

 

Num passeio por essas páginas se tem a dimensão da influência de Lincoln de Souza nos meios eruditos, de como era bem relacionado. O valor de sua obra se tem ideia pelos elogios e comentários de grandes personalidades, como Affonso de E. Taunay, Henriqueta Lisboa, Oranice Franco, Augusto Viegas e tantos outros, em cartas e dedicatórias que ali colou. Vejamos por exemplo alguns fragmentos:

 

Para Lincoln de Souza, o mais fecundo escritor contemporâneo de São João del-Rei, com estima abraça-o o Fábio Nelson Guimarães, São João, 5/1/1962.

* * *

Ao sr. Lincoln de Souza, meu amigo e amigo da cultura árabe, em homenagem ao seu magnífico talento poético. O autor. Rio, 20/9/1962, Mansour Challita.

* * *

Amigo e poeta Lincoln de Souza muito obrigado pela nova edição de “Poemas”. “E hoje, entre ruinas sôltas ao vento, na longa estrada crepuscular, só quero a esmola do esquecimento, antes da noite, da noite eterna que há de chegar.” Que beleza! Natal de 1957, Malba Tahan.

 

Não consegui imparcialidade ante uma carta agradecendo o recebimento do seu famoso “Contam que...”, volume de narrativas lendárias coligidas em São João del-Rei, e selecionei este trecho:

 

Do texto não há senão louvor e sonhos de continuação. Tudo ali me agrada, na linguagem lépida e nítida, a precisão vocabular fixando definitivamente o tema, o encanto das escolhas dos assuntos, as soluções terminais, enfim, a maneira que será sinônimo de processo, de comunicação ao leitor na mesma intimidade emocional como sentiu o mineiro cheio de recordações e lembranças de sua terra.(Etc.) Natal, Luís da Câmara Cascudo, 30/3/1954.

 

“Contam que...” foi um dos maiores sucessos do autor. Sucessivas edições se esgotaram: 1922, ... 27, 38, 42, 56, 57 e 91 (?), esta com uma reedição xerográfica de 2007-8, com encadernação em espiral, pela empresa A Colegial. De alguma forma pode-se considerar ainda como edição a agenda 2008 da Universidade Federal de São João del-Rei, que inclui um texto em sua homenagem como apresentação e ainda cada uma das lendas de “Contam que...” separando os meses do ano, provando mais uma vez o sucesso de sua empreitada.

Neste livro o autor transcreve em sua linguagem muito fluente os mitos, lendas e causos são-joanenses. Até hoje é uma referência fundamental para quem se aventura a estudar as narrativas orais, dado seu pioneirismo, quando quase ninguém voltava a atenção para elas. Independente de ser um folclorista, sua simples leitura é agradável e de um realismo que é como se estivéssemos a presenciar a própria cena. Ultimamente tem servido de base para teatralização.

Jaqueline Menezes Farias e Eliana Tolentino assinam um texto de pesquisa sobre o autor, publicado no Jornal da Universidade (UFSJ), de 23/08/2002 e nele comentam sua mudança para Belo Horizonte em 1920 onde trabalhou no jornal “Diário de Minas”, mantendo acentuado contato com Carlos Drummond de Andrade. Sua filantropia se manifesta, por exemplo, na doação de um terreno na terra natal à Rua Paulo Freitas para construir um abrigo para necessitados, ainda hoje funcionando a “Sopa Vovô Faleiro” que atende os carentes. Doou também uma casa na Rua Santa Tereza para a paróquia da Igreja de Nossa Senhora do Pilar.Consta que era espírita.

Registrou o professor Sebastião de Oliveira Cintra na sua monumental obra “Efemérides de São João del-Rei”, naquela referente a 20 de junho de 1969, que nos últimos anos de sua vida dedicou-se com especial desvelo à terra natal. Fez importante doação de livros à Biblioteca Municipal e ofereceu ao Conservatório Estadual de Música valiosa coleção de obras de arte, principalmente pintura. Deixou para as obras sociais da Paróquia do Pilar um apartamento na cidade do Rio de Janeiro.

Acredito ter mostrado um pouco desse inexorável escritor nestas linhas. Vendo agora a dimensão de sua obra e o status que atingiu no meio intelectual, não tenho dúvidas em afirmar que justiça ainda não lhe foi feita. Está a merecer mais atenção. Nossas escolas públicas poderiam difundir seus trabalhos e usá-los didaticamente. Num desejável ciclo de estudos sobre autores da terra, ele não poderia faltar. Obras fundamentais merecem reedição. Peças únicas como seus álbuns de colagens são de um valor documental imensurável e mesmo bem preservados na Biblioteca Municipal Batista Caetano de Almeida, em São João del-Rei, em estante reservada, não deixam de ter sua relativa fragilidade e merecem um trabalho de microfilmagem.

Quem se enveredar na pesquisa sobre Lincoln de Souza encontrará com deleite muito mais do que foi aqui exposto às parcelas, desde versos primorosos a notícias históricas de tribos longínquas; de fotos de garimpeiros em nossas betas a famosas paisagens estrangeiras.

Deixo como encerramento as palavras de Josué Montello, do gabinete do Diretor Geral da Biblioteca Nacional, Rio de Janeiro, datadas de 05/04/1948, agradecendo-lhe o envio de livros de sua autoria para aquela instituição:

 

Quando se alcança a posição que você hoje ocupa, como escritor e homem de jornal, os louvores não servem mais como estímulo ou recompensa – o que realmente tem importancia é a consciência de que se dedicou à vida literária, o melhor das horas proporcionadas por Deus.

 

* * *

Agradecimentos a:

- Ana Lúcia da Silva Nogueira, Diretora da Biblioteca Municipal “Baptista Caetano d’Almeida”, de São João del-Rei;

- José Antônio de Ávila Sacramento, Presidente do IHG-SJDR, pelo apoio e pela gentileza da documentação fotográfica;

- Professor Abgar Antônio Campos Tirado, pelas informações orais;

- Professora Betânia Maria Monteiro Guimarães, pela aparelhagem para apresentação.

(UP, 02/11/2008)

 

*Revisão em 31/03/2024










































































































Fotografias: José Antônio Ávila Sacramento, 28/10/2008 - a quem agradecemos a gentileza.

Acervo: Biblioteca Municipal Baptista Caetano d'Almeida - São João del-Rei / MG.